a convite da querida Camila Mangueira, hoje fiz uma apresentação para os alunos da Universidade do Algarve. a disciplina orientada pela Camila se chama Arquivos Digitais e Analógicos e é focada na discussão dos arquivos e documentos de criação artística. segundo ela, ‘dentre as questões mais centrais está a de como lidar com a documentação da criação e a relação obra final e processo’.
a ideia foi mostrar o processo de criação do meu mestrado até chegar na exposição na GAIA (Galeria de Artes do Instituto de Artes), na Unicamp.

eu sinto que essas conversas são sempre muito legais pra mim (torço muito para que sejam boas para quem me ouve também). falar é se ouvir, e às vezes as perguntas feitas me respondem a respeito de outras questões.
fico super pensativa depois e sempre saio dessas conversas cheia de respostas. ❤️
depois da aula fui dirigindo para o meu local de trabalho pensando na pergunta que uma aluna fez sobre o assunto que eu fotografo, minhas escolhas sobre os temas, em suma: o referente. a resposta que dei a ela, me responde o motivo por eu fazer daguerreótipos contemporâneos… o ato fotográfico no meu trabalho sempre foi uma fração muito pequena do tempo que dispendo antes e depois do ‘clique’. o processo ocupa mais meu tempo, meu pensamento e minhas intenções. é como se o assunto (o referente) fosse de certo modo ‘menos importantes’, por que o principal é toda a materialidade envolvida na construção daquela narrativa. o processo é tão imprescindível que ele de certo modo ‘condiciona’ um pouco do que será o referente na imagem fotográfica. por exemplo, no caso do trabalho do mestrado, eu usei uma única imagem fotográfica pra todos os anthotypes que aparecem no trabalho. e confesso que fiquei um tempão pensando que imagem seria, quando durante todos os testes eu usava uma imagem de um urubu pousado no ver-o-peso. às tantas, me dei conta que era essa imagem mesmo que deveria ser ‘a foto’, pois o processo diz respeito a efemeridade, sobre ciclos de vida-morte, sobre o que fica do que se apaga, e o urubu é um animal que carrega toda essa simbologia de transformação da matéria. no doutorado, a materialidade da imagem (cobre, prata, ouro) me levou a pesquisar sobre alquimia, que carrega uma série de imagens simbólicas interessantes que tem me inspirado a fotografar. é novamente o processo conduzindo o assunto registrado, o referente.
nas minhas respostas eu até fugi um pouco do tema da aula e falei um pouco do doutorado, porque eu ando com muita vontade de conversar sobre a pesquisa com os daguerreótipos. cheguei até a pensar em fazer uma live, sei lá… algo como foi o café fotográfico em que eu faço um relato de trajetória. essas apresentações e diálogos me ajudam tanto!
falei de minha opinião sobre o uso excessivo de jato de tinta de pigmento mineral sobre papel de algodão para apresentação de fotografias no contemporâneo (mesmo quando as imagens são do século XIX ou XX), quando a Camila me perguntou sobre a convivência e combinação de arquivos digitais e analógicos nesse meu trabalho do mestrado. apesar disso, usei esse tipo de impressão para as imagens microscópicas, mas não quis reproduzir os anthotypes e expor impressões jato de tinta – que são mais permanentes – porque não faria sentido já que o trabalho justamente diz sobre materialidade e efemeridade dessa mesma matéria. (o que eu fiquei pensando depois é que eu fui ao extremo dessa vez no doutorado escolhendo a dedo um processo que nem sequer é reprodutível – o brilho espelhado do daguerreótipo só pode ser visto e apreciado quando se está diante da ‘coisa em si’).
gostei também do comentário de outro aluno, em que falou que ele poderia fazer uma leitura essencialista (acho que foi esse o termo que ele usou) da minha produção, por eu insistir em apresentar ‘a coisa em si’. talvez em certa medida, eu seja… mas acredito que ele entendeu as delimitações que eu dei e quando assumi que elas (as jato de tinta) poderiam entrar para compor e quando elas não poderiam entrar por que seriam apenas meras reproduções fora de contexto. ao responder essa pergunta, fiquei pensando que se eu trabalhasse com pintura, talvez eu fizesse obras pouco figurativas… estaria interessada no gesto empregado, no acúmulo de tinta, nas qualidades plásticas dos materiais. isso é uma discussão pouco construída na fotografia, que tem uma relação muito importante com o referente desde sua invenção e que na sua história teve mudanças materiais muito mais pautadas nos critérios de redução de tempo de exposição à luz, de sua permanência/resistência e na diminuição de custos do que em suas características plásticas.
para mim a fotografia é tudo: é o assunto fotografado e tudo aquilo que compõem a imagem, pois faz parte da narrativa que se apresenta em forma de imagem.
enfim mil coisas ❤️
muito feliz e agradecida pelo convite e pelas trocas.