hoje finalmente consegui tempo para ouvir o áudio do dia da defesa. aliás, defesa é um termo muito esquisito. especialmente ao falar sobre mestrado em poéticas visuais. fui até procurar um sinônimo, e o melhor que achei foi esse: argumentação.
devo dizer que todo o processo de mestrado foi absolutamente tranquilo, diferente do que aconteceu com colegas próximos, o mestrado foi meu momento de sanidade, meu tempo para olhar para coisas que me são muito importantes, pr’aquilo que é pessoal e intransferível. confesso que só dei uma ‘pirada’ nas últimas semanas, por que esse termo defesa, e essa ideia de avaliação mexem com coisas muito fundas na minha psiquê. e deu margem para muitas conversas com minha ‘mulher da cabeça’ (vulgo, terapeuta) sobre esse pânico que envolve me sentir exposta e lidar com a necessidade de uma aprovação externa para validar minhas conquistas pessoais. enfim, papo longo no qual não vou me aprofundar aqui.
queria fazer esse post para contar sobre esse momento, esse rito de passagem que foi a defesa do mestrado.
no final de semana anterior à data até desenhei a disposição da mesa, pois a defesa seria dentro da galeria e minha banca ainda não tinha visto a instalação, portanto queria que o espaço ficasse livre para que pudessem transitar antes da defesa.
na verdade, meu desejo era que nos meus 20min de explanação eu pudesse ser uma visita mediada na instalação, onde falaria sobre o processo todo do trabalho mostrando cada coisa a seu tempo. infelizmente a formalidade acadêmica não permitiu. afinal, não foi ruim, pois me vi criando um resumo narrativo de como contaria o processo.

sim, isso é um resumo. sim, falhei miseravelmente na tentativa de ser sucinta.
para minha banca convidei o Edson do Prado Pfutzenreuter e o Wladimir Fontes. o Edson trouxe referências e reflexões importantes na qualificação e quis muito contar com o olhar dele nesse momento de defesa, sabia que ele faria apontamentos fundamentais sobre o meu texto. o Wladimir esteve na minha banca de TCC, 17 anos atrás, e eu tinha uma memória muito vívida e positiva de suas contribuições naquele momento, pois ele sempre traz o olhar do artista que é, com um viés super filosófico, fala de um ponto de vista bem visceral, profundo, mas delicado e generoso ao mesmo tempo, e isso me agrada e enriquece demais.
achei interessante como o wladimir falou de todas as referências teóricas. ele falou da interdisciplinaridade do trabalho, que se relaciona com várias áreas do conhecimento humano. ele comentou que ‘falou’ com muita gente enquanto lia meu trabalho: “órficos e pitagóricos, Apólo e Perséfone, Goethe te deu um tchauzinho, Anna Atkins mandou lembranças, Blosfeldt também, aqui da casa (Campinas) Hércules Florence mandou dizer que estaria presente. e um, que estranhei, mas que também apareceu de alguma forma, foi o Auguste Comte, que mandou um recado: ‘amor, ordem e progresso'”. o que seria o progresso que comte comentou com o wladimir? num dos capítulos falei sobre a história da fotografia e a ‘evolução’ na invenção dos processos fotossensíveis. talvez seja difícil usar essa palavra quando se tratam de fotografias. apesar de eu ter sinalizado que esses ‘avanços’ não consideravam as materialidades dos processos, mas apenas o assunto registrado na fotografia, e que tinha como objetivo apenas o baixo custo e a rapidez de captura, ficou esse estranhamento. creio que consegui argumentar que minha reflexão partiu exatamente do questionamento sobre a falta de pensamento dos suportes e materialidades na história da fotografia e que isso tem sido explorado apenas na contemporaneidade. de qualquer modo, foi um ponto de atenção para mim.
seguindo nessa toada filosófica, Wladimir trouxe uma afirmação de Anaximandro: ‘Tudo o que é, um dia vai não ser’. E aproveitou o ensejo para me fazer a pergunta mais difícil e mais poética da defesa: Para onde vai a cor que desbota? A cor evapora? Se transforma em luz?
foi bonito como ele descreveu que eu fui investigar a indústria – a fábrica – do pigmento vegetal, da cor da flor, e ensino que existem ‘flores pintadas a óleo e flores de aquarela /guache’, e que ele nunca mais olhará as flores da mesma forma.
fez também uma pergunta, pois viu que eu sempre retorno a uma questão sobre a imagem nos dias de hoje: apesar de ter como semelhança ter um tempo breve, qual a diferença entre imagem efêmera e imagem descartável?
filosofou sobre a contradição: ‘a vida não seria a matéria que quis permanecer? por que ela quis ficar? é como se o carbono tivesse vontade própria. e se as coisas não deixam de existir, mas se transformam, isso não seria uma contradição ao que afirma Anaximandro?’.
falou de estudos de Bergson sobre seres e organismos vivos que se orientam pela luz. e salientou que o mundo vegetal é totalmente relacionado à luz: luz e água.
falou também sobre a presença do desenho no trabalho. disse que o desenho é projeto. que ele unifica a pesquisa visual. e que não entende por que eu digo que não sei desenhar, que isso pode ser falsa modéstia minha ou talvez isso parta de um rigor interno, dentro de uma qualidade onde eu gostaria de chegar. o desenho unifica, e nas decisões, o desenho é pensamento e linguagem.
ele observou que no laboratório da ciência (Instituto de Biologia) eu vi um ateliê de artista, me atentei para a cientista (bióloga Sandra) que tem a habilidade de artesã, descrevi seus gestos minuciosos narrando sobre como trabalhava com suas mãos.
sobre a artesania o Edson também mencionou uma citação de Anaxágoras ‘a homem pensa por que tem mãos’. ele falou sobre o artigo de Freud sobre o valor do efêmero como raridade, que é um texto que fala da efemeridade no contexto da guerra.
durante a leitura da dissertação ele lembrou de algumas referências e foi enviando por e-mail, o que é um diálogo lindo, já que a pesquisa não encerra com a entrega do texto. senti vontade de ter mais essa proximidade, esses diálogos durante o processo. quem sabe no doutorado?
vale a pena mencionar que o Edson começou sua fala lembrando de uma situação de quando eu estava no Senac (provavelmente no ano 2000, 2001): eu estava fazendo um trabalho em que fotografava em cada frame de um filme para slide 35mm uma letra (procurei algumas placas na rua). a ideia era revelar o filme e colá-lo na bobina de modo que a pessoa puxasse a pontinha, o filme fosse saindo e uma frase se construindo. ele lembrou que já nessa altura eu estava pensando na materialidade do suporte e nas suas características para fazer o trabalho. lembrou que naquela ocasião ficou pensando que era um trabalho poético e rigoroso, que exigia planejamento e cálculo. e que esse rigor segue comigo até hoje.
falou da questão da efemeridade ser relativa a um escala de tempo. sobre isso, respondi que é uma reflexão que me ocorreu também e que tive algumas conversas a esse respeito com o Roger. presumo que minha escala de efemeridade é a escala da vida humana.
o Edson também falou sobre a deterioração ser um ponto de vista daqueles que querem que as coisas permaneçam sem mudar.
a respeito de eu dizer que não fazia desenhos científicos, nem lâminas histológicas ‘corretamente’, comentou que alguns artistas muitas vezes são uns amadores de tudo e uns ‘profissionais’ de nada.
refletiu que a percepção do artista perante o objeto varia de acordo com sua intenção, tanto quanto dos cientistas. no laboratório de biologia, minha percepção era diferente da dos biólogos, mesmo quando olhávamos para a mesma coisa.
além disso, falou sobre ajustes importantes no texto que eu estava mesmo a espera e também pude perguntar a respeito de algumas citações que eu coloquei e se estavam incômodas por serem muito extensas.
falamos um pouco sobre alguns tempos verbais que aparecem meio ‘errados’ no meu texto. pude contar sobre a metodologia que usei para a escrita: escrevi posts semanais sobre a pesquisa, num dos posts (aquele sobre a palestra do Dubois) eu criei o que seria o sumário, depois encaixei os posts em cada ‘capítulo’ e por fim, vim costurando (e em alguns casos, esquecendo de ajustar tempos verbais no passado, já que tudo estava sendo escrito principalmente no presente ou como conjecturas sobre o que viria a seguir). falamos sobre a narrativa acadêmica em poéticas visuais, e como ela difere da escrita acadêmica tradicional.
por fim, minha orientadora falou sobre a tranquilidade que sentiu em me orientar (ou não orientar, como ela colocou). de fato, a Ivanir me deu toda a liberdade para seguir com minhas pesquisas e com meu trabalho autoral, e isso foi muito importante. eu já estava distante do meio académico desde 2002 e ela me acolheu com leveza, o que foi fundamental para que o mestrado fosse agradável pra mim e a pesquisa fluísse de forma natural.
e fui aprovada! sem ressalvas.
descobri que existe algo chamado de pós defesa. vou ajustar algumas palavras do texto e acho imprescindível que no trabalho constem imagens da implantação da instalação no espaço da galeria. com isso, vou precisar mexer no último capítulo (considerações finais). nada muito drástico, mas fazer esse mergulho agora que já não tenho a bolsa horas fica mais apertado nos tempos. 60 dias passam voando.
e no meio disso tudo, eu ainda gostaria muito de trabalhar num pré-projeto de doutorado.
já iniciei uns testes para avaliar a viabilidade de realizar daguerreótipos no Brasil (com temperaturas de 30oC e luz intensa do nosso verão tropical). estou animada! nas recentes experiências que Roger e eu fizemos, já conseguimos imagens nos primeiros testes!
bem… vou nessa!